sexta-feira, 22 de abril de 2011

O Belo Lado Negro da Vida

Em seu novo filme “Biutiful”, o mexicano Alejandro González Iñarritu cria um conto sobre o fim da vida e a necessidade do viver

 Por Lucas Loconte



“Biutiful” (Biutiful, Espanha/México, 2010) é um filme estranho de se resenhar.

Em primeiro lugar, não há uma sinopse ao certo – é um filme sobre um homem, Uxbal, pai devoto, amante atormentado, filho iludido, comerciante do mercado informal, consumidor de produtos piratas e espiritualmente sensitivo. É um filme sobre um homem doente e que revê a vida antes de morrer. É um filme sobre o relacionamento entre pai e filhos, entre homem e mulher. É um filme sobre o ser homem. É um filme sobre a consciência humana. É um filme de fantasmas, de assombrações. Isto é “Biutiful”, indicado a dois Oscars e vencedor do festival de Cannes e do prêmio Goya de melhor ator para Javier Bardem.

Em segundo lugar, é um filme que trata sobre a decadência da vida, o lado podre das pessoas e de sua moral. “Biutiful” é um filme pesado, mas incrivelmente belo, que desconforta e ao mesmo tempo parece querer traçar um painel belo do que é a vida, de como devemos viver, trazendo um sentimento de conforto.

Nascido a partir da necessidade de criar uma história linear após o fantástico “Babel”, Alejandro González Iñarritu se desfez da parceria com o roteirista Guillermo Arriaga e criou sozinho a história e o mundo de “Biutiful”. Iñarritu cria um conto sobre o perdão e o perdoar, sobre a vida e o viver, sobre o amor e o amar. E, sem dúvida, é um dos melhores filmes lançados no ano passado.

Filmado na Espanha, o filme mostra o lado feio de Barcelona – são os imigrantes ilegais africanos e chineses, que possuem um importante papel na história, a venda de produtos piratas, a melancolia e a decadência dos bairros mais pobres e a decadência moral das pessoas também. Uxbal, interpretado com muita classe e competência por Javier Bardem (que, na opinião deste humilde repórter, merecia muito mais o Oscar deste ano do que Colin Firth em função da profundidade com que ele desempenhou este papel, sem desmerecer o empenho e a eficiência de Firth ao protagonizar “O Discurso do Rei”), tem câncer terminal e precisa do serviço público de saúde; a cena em que ele vai fazer um exame de sangue e é ele quem realiza todo o procedimento em função da falta de preparo da enfermeira chega a ser cômica se não houvesse um pano real de fundo.

A fotografia desfocada e os cenários sempre escuros e com cores mortas parece retratar perfeitamente o tom de decadência necessário para a história.

O roteiro, que trata de problemas reais e quer discutir o valor da vida, se torna também original ao tratar de muitos temas, como o homossexualismo entre chineses e a imigração ilegal africana, e as histórias que ocorrem ao redor de Uxbal, ao final, se interligam e criam mais sentido.

A direção de Iñarritu mais uma vez se revela fantástica - e ousada, também, por que não. Por exemplo, quando os fantasmas aparecem, o espectador não tem certeza ao certo de que viu algo – apenas de que uma coisa estranha está acontecendo (e sim, isso torna assustador alguns momentos).

Visualmente falando, Iñarritu também é genial: em determinado momento, Uxbal vai comprar um aquecedor para um grupo de chineses ilegais; ao entrar na loja, uma televisão exibe uma cena de baleias mortas numa praia. Quando o grupo de imigrantes morre em função de um acidente (e esse momento é um dos mais dramáticos do filme), os corpos são jogados ao mar e, instantes depois, eles aparecem da mesma maneira que as baleias na televisão – e só isso prova a acuidade visual com que o diretor realiza o filme. Além do mais, a lentidão característica do diretor está presente em toda a fita – a abertura, uma das mais poéticas do cinema moderna, é exaustiva para aqueles não acostumados ao cinema mais “arte”.

A trilha sonora melancólica de Gustavo Santaolalla, ao lado da seleção musical feita pela dupla, se encaixa perfeitamente em todos os momentos do longa. Assim como em “Babel”, que a música exerce um papel fundamental numa sequência com uma personagem surda-muda, a música aqui também parece guiar a linha narrativa da história e se encaixar no sentimento e no pensamento dos personagens.

Sobre o elenco, só pode-se dizer que todos os atores são fantásticos – e, Javier Bardem e Maricel Álvarez, que faz a ex-mulher dele, são um destaque a parte. Ele, por trazer uma expressão de melancolia e uma sensação de arrependimento profundo em todas as suas cenas, criando um personagem completo e que é, ao mesmo tempo, uma incógnita, revelando aos poucos a sua personalidade ao longo do filme; ela, por criar uma personagem espontânea e visivelmente doente, com uma personalidade forte e vibrante, mas ao mesmo tempo insegura de como seguir suas relações e das suas ações.

Enfim, “Biutiful” é um filme que trata sobre o fim da vida, e mostra como é importante enterrarmos os nossos fantasmas do passado, resolvermos nossas pendências e analisarmos as nossas ações para não nos arrependermos no momento em que a morte se aproxima.

“Biutiful” é um filme, como diz um trecho do texto disponibilizado para a imprensa, sobre um: “(...) Pai devoto. Amante atormentado. Filho iludido. Comerciante do Mercado informal. Ele vê fantasmas. Espiritualmente sensitivo. Consumidor de produtos piratas. Consciência pesada. Um sobrevivente urbano. Um homem sentindo o perigo iminente da morte. Que tenta reconciliar com seu amor, mas falha. Que tem vontade de sempre fazer a coisa certa, mas tropeça. Cujo coração está quebrado, seduzido, esvaziado... Mas preenchido com algo que vale mais que o desejo. Ele tem sangue em suas mãos. Um peso em sua alma. Urgência em conseguir respirar. Ele pode perder tudo de repente... E em uma espécie de meia-noite encontra tudo que precisa oferecer. Às vezes nossas vidas são assim: quebradas, avassaladoras, elétricas, mas ainda assim... Muito bonitas”.

Sim, isto tudo é a vida. E, ao mesmo tempo, é muito mais.

Observação: o estranho título (“Biutiful”) faz referência à palavra beautiful, “belo”, em inglês. Em uma determinada passagem do filme, Uxbal, ajudando a sua filha a fazer a lição de casa, precisa escrever a palavra “belo” em inglês, e ele a escreve assim. Ao longo da decadência do pai em função da doença e dos acontecimentos da história, as duas crianças e o pai se vêem ligadas a esta palavra do ponto de vista emocional, revelando o verdadeiro sentido da vida e de sentimentos como o amor.








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